domingo, 19 de abril de 2009

A ciberbanalização dos sentimentos

A internet entrou na minha vida e mudou muita coisa para melhor. Leio muito e faço pesquisas tanto para aumentar meu conhecimento quanto para enriquecer meu trabalho. E tive a fase de papos virtuais, em que de um dia para o outro, meia dúzia de carateres digitados pra cá, meia pra lá, muita gente diz que encontra o amigo de sua vida. A brincadeira de “amiga desde a infância” torna-se realidade de uma hora pra outra no mundinho virtual. A brincadeira do “homem (ou mulher) da minha vida” também existe entre bits e bytes, e como! E eu desconfio tanto quanto de uma cédula de R$ 15.
Conheci gente muito interessante e séria na internet. Um artista plástico do interior do estado do SP, que realmente é artista e curador de um museu, uma farmacêutica e professora universitária do Sul que realmente é o que diz, uma dona de casa de Fortaleza que rompe com os mitos de que não seguir carreira no mercado de trabalho formal emburrece a pessoa... e, claro, um monte de gente que diz “miiiiiiiiiiiiga” com a facilidade com que diz “não quero” para um estuprador, por exemplo.Essas últimas observo. E muito. Tanto quanto às demais (foram poucas aquelas com quem desenvolvi amizade real, ultrapassando a tela do monitor). Observo porque este é um vício profissional e ao mesmo tempo uma característica nata em mim. E como trabalho muito com textos, observo até a maneira de escrever dos outros.
Esta característica sempre foi “uma mão na roda” na minha vida. É bom ter uma certa segurança de que por escrito é difícil me engabelar. E ao vivo e em cores é ainda mais difícil, porque vou no olho e no gestual dos interlocutores. Raramente erro.
Sabe aquela piadinha do “Zorra Total” em que um cara enorme fala “vai vendo, vai vendo”? É do tipo “preste atenção, se ligue!”. E eu vou vendo mesmo, me ligando de verdade. Juntando lé com crê, como dizia minha avó, vou descobrindo as pessoas por trás da tela.
Não digo que encontro monstros. Só uma vez encontrei e era pedófilo. Eu não estava de papo com ele. Só entrei em um endereço do Orkut que uma pessoa dizia ser de um pedófilo e pedia ajuda para denunciá-lo. Fui lá e literalmente vomitei ao ver as fotos expostas. Muitos outros que encontrei são pessoas que durante um certo tempo bombardeiam os interlocutores com aquilo que supostamente tem de melhor: bom humor, bom caráter, sentimentos até cândidos... Mas ao primeiro “não” descontrolam-se e deixam escapar sua natureza preconceituosa, ditadora, difamante, rancorosa.
Isso, no entanto, não é “privilégio” de internautas. Até porque, todo internauta é uma pessoa real, o que revela que o mundo dos humanos é pobre demais em moral, bons costumes, altruísmo, verdade.
Na internet ou fora dela, cedo ou tarde quem se camufla deixa o rabo de fora... a orelha, um dedo... Se se tiver paciência para puxar, desnuda-se um ser muito diferente do que escreve ser. Alguém aí conversa com qualquer pessoa na rua e rapidamente a inscreve em seu rol de amigos? Eu não. E a internet é tal qual uma rua bastante movimentada. Em alguns casos, como nos bate-papos, é uma rua em que no tempo de nossos bisavôs as pessoas faziam “footing”: as moças davam voltas e os moços ficavam “estacionados” nas laterais, admirando-as, buscando aquela que, talvez, desse “um bom caldo”.
Havia os acertos, mas também enormes erros de pessoa. Como também cometiam-se erros de pessoa quando o objetivo era o desenvolvimento de amizade. Quantas pessoas se mostram como o amigo ideal e revelam-se uma mala sem alça carregada de blocos de concreto? Aquele que era melhor nunca termos conhecido? O possessivo, fofoqueiro, egoísta, encrenqueiro, de caráter duvidoso?
Pois então... isso tudo acima é a pura e dura realidade. Dentro ou fora da internet.

Crédito da foto: 4.bp.blogspot.com/.../s400/duas+caras.jpg